segunda-feira, 17 de maio de 2010

Go Go Tales - Abel Ferrara



Perguntaram a Abel Ferrara, aquando do lançamento deste Go Go Tales, já lá vão quase dois anos, porque tinha decidido filmar em Itália, mais concretamente nos célebres estúdios da Cinecittá, uma obra tão nova iorquina. O cineasta, além de desmentir o apego exclusivo do filme ao espaço em causa, frisou que não estava para aturar os caprichos dos estúdios norte-americanos e que lá (em Itália) eles ainda queriam saber de cinema. Esse querer saber, neste contexto referente a métodos de produção mais do que a qualquer outra coisa, possui no cinema de Ferrara uma dimensão fundamental.

O cunho pessoal do seu universo de exploitation não está na forma como filma o grotesto e o vulgar integrados numa narratividade solta e onírica. Nem sequer na sua iconografia vagamente felliniana, onde a demência e a sanidade não jogam em campos opostos. Está sim no facto de tudo isso nos ser dado a partir de dentro, com um seriedade moral que convoca valores, dir-se-ia, clássicos. O seu know how é muito feito dessa ténue linha entre o trash assumido e o “querer saber” das coisas, do mundo.

Essa tensão surge límpida em Go Go Tales. O cenário é um clube nocturno de strip, o “Paradise”, local que parece ter os dias contados, com os turistas a aparecerem cada vez em menor número e as dúvidas a acumularem-se. O seu dono, Ray Ruby (Willem Dafoe), um noctívago viciado em jogar na lotaria, luta como pode para manter o seu espaço aberto: adia até à exaustão o pagamento às suas bailarinas, tenta evitar que a senhoria (Sylvia Miles) reclame o espaço dado o atraso na renda, além de lidar com as ameaças do seu irmão (Matthew Modine), um cabeleireiro famoso com porte à Andy Warhol, em retirar-lhe o apoio financeiro.

Por muito curioso e deambulatório que seja o olhar de Ferrara, e é-o, nas danças das performers, nos conflitos banais do dia-a-dia aqui ganhando uma dimensão bizarra, ou na imersão da luz e banda-sonora, o que ressai é o erotismo apagado do seu paraíso, onde seios e celulite merecem igual destaque. Esse seu espaço de observação, que nas mãos de Robert Altman, por exemplo, ganharia uma textura semi voyeurista, é aqui sempre um ponto de partida do qual o cineasta, como se disse, também faz parte.

Mas Abel Ferrara está mais interessado no tale, em extrair a moralidade da imoralidade. Por isso, Go Go Tales afirma-se sobretudo como alegoria da capacidade de manter um sonho e gerir os seus milagres (Ruby quer manter-se afastado do sol da Califórnia, sendo que de momento, o outro sol, o artificial do solário, explodiu); e ainda como comentário ao destino de trabalhadores encerrados em trabalhos menores à espreita de um oportunidade de ver o sol real (veja-se a sequência em que, semanalmente, o cabaret se transforma em montra de talentos, após o expediente). Enquanto essa linhas de fuga não chegam, e o mais certo é que possam nunca chegar (é pelo menos esse o significado do olhar final do seu protagonista), tudo se resume a capitalizar a ideia de que “people love to see other people fail” e a manter unida a família. E nunca Abel Ferrara se filmou, via Willem Dafoe, tão “pai de família”, tão ciente dos seus vícios. O que personifica simultaneamente o seu optimismo e a sua contrição face às habituais dificuldades de distribuição das suas obras.

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