domingo, 16 de maio de 2010

Karins Ansikte - Ingmar Bergman



Ingmar Bergman dizia que as pessoas falam a maioria das vezes dos seus “momentos decisivos”, mesmo que eles não existissem da mesma forma como eram retratados. E que, por sua vez, os dramaturgos faziam desses mesmos momentos ficção. Ingmar Bergman quase que viveu aquilo em que acreditava.

Se a sua infância foi o “momento decisivo” da sua personalidade e carreira, ele sempre resistiu a que esta se transformasse na sua verdade ou ficção. Isto até Fanny och Alexander, o seu testemunho final, filme autobiográfico. Se a sua infância era um momento que tinha que “arrumar” e fê-lo com Fanny, Bergman depois escreveu, mas não realizou, Den Goda Vijlan (As Melhores Intenções) e Söndagsbarn (Filhos do Domingo). O primeiro, dirigido por Billy August, inspira-se nos anos de juventude dos pais antes do seu nascimento, o segundo, retoma as mesmas personagens uma década depois. O seu filho, Daniel Bergman realizou.

Estas três obras manifestam uma clara tensão entre a necessidade do Bergman - homem assumir uma primeira pessoa e o pudor, mais artístico que emocional, de lidar com esse registo.

Para além destas três obras, costuma ficar na penumbra Karins Ansikte, uma curta-metragem memória de 1984 na qual o cineasta faz um tributo à mãe, Karen. “Karen obteve este passaporte poucos meses antes de morrer”. Estas são as palavras com que Bergman mostra a sua mãe. Depois, a vida dela vai passar numa sucessão de fotografias. Karins tem sido apontado como um case-study de algumas das elaborações teóricas que se fizeram sobre Fotografia, com Barthes à cabeça. É contudo um olhar mise-en-scène por excelência que filtra a realidade do passado visto, olhado, por Bergman. É esse olhar cinematográfico quem comanda as panorâmicas sobre uma paisagem ou o zoom sobre um gesto. É nas mãos ou no olhar de Karen que Bergman parece querer saber qual é o cinema para além do registado, da imobilidade da fotografia. E também querer saber em que é que sempre pensou a sua mãe. Em todas as idades e realidades que conheceu. A composição e a atenção ao pormenor e a procura, torturada e constante procura de Bergman, acabam por fazer de Karins um filme profundamente anti-fotográfico.

São as mãos de Karen ou o olhar triste de um cão que o cinema enaltece. E a realidade fotografada ganha uma densidade emocional, falsos “momentos decisivos” do seu universo familiar.

Quase no final, uma das poucas legendas interrompe a música: “Agora Karen está cada vez menos presente nas fotos familiares”. Lentamente as fotos vão sendo de grupo, menos distintas, anunciando o período de doença, antecipando, finalmente, a “singularidade": a imagem da sua mãe no passaporte, na fotografia de “viagem”.

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