quarta-feira, 27 de julho de 2011

O fardo de Amy

Sobre a morte de Amy Winehouse nada adianta ser dito sobre a maior ou menor elasticidade do músculo do gosto que a posiciona mais acima ou mais baixo na escala da sua condição artística. Muito menos adianta escrutinar o interesse semi-mórbido pela efeméride, que a coloca como mais uma da lista do malogrado clube dos 27, composto por outros artistas que morreram com a referida idade. Ou melhor, aquilo que sobre estes vectores se pode dizer é que a qualidade musical da cantora sempre foi ensombrada pelo seu estatuto de ícone da fragilidade. O amparo que inspirava - a pena de uma biografia atribulada pela adolescência difícil, as drogas, desgostos de amor - tudo isto foram elementos que transpareciam na sua qualidade de performer. Ou seja, o seu insucesso biográfico determinava o seu sucesso artístico. No entanto, essa transparência converteu-se em choque de linguagens (a pessoal e a pública) no exacto momento em que as contradições de uma vida passaram a ser veiculadas sem filtro no palco do seu estatuto público. A sua mitificação resulta então de um penoso processo de transferência das normais agruras do quotidiano para uma plataforma de escrutínio, que, ora as punha a nu, ora as potenciava.

Desta forma, o que se nos oferece dizer sobre a morte de Amy é que esta demonstra que o estatuto de estrela (como as repartições públicas ou as escolas, como referia Hofmannsthal), define-se hoje como instituição em que a vida é descurada em detrimento de um certo mecanismo de vida. Neste mecanismo de vida, a de uma estrela, existe uma premeditação do gesto, do comportamento, na qual o tempo, compartimentado, faz sobressair o fosso entre o que é essencial ao género humano- o manter tudo junto, tudo como possível – e a contradição que separa o que Amy Winehouse era, do que devia ser.

Amy tinha consciência desta diferença, entre o ser «tudo possível» e o mecanismo omnipoderoso da sua persona musical, que a elevava acima dos demais, fazendo do púlpito um estado de permanente vivência. Se às crianças se retira, por convenção, o sentido do imediato das coisas, do superior «divino» que daí pode advir, no modo de vida de uma estrela (como Amy foi), o imediato era o presente inabarcável. Um presente como uma crença em que toda a experiência de um modo de viver pudesse substituir a verdadeira vida, aquela onde tudo é uno, aquela onde não há contradição no «vivível».

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