quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O mar enrola na areia

Por vezes os esquemas de sobrevivência, já sabemos, produzem romances insólitos dos quais nunca ousaríamos escrever palavra moralizadora. ANGÈLE ET TONY, uma primeira obra da jornalista e cineasta Alix Delaporte, é um desses encontros improváveis que provém do cinema realista post-irmãos Dardenne e de uma realização francófona que sobre poetiza acções do dia-a-dia.

Angèle (Clotilde Hesme) é uma mulher a quem a vida ensinou que tudo tem um preço. É na esperança de melhorar a sua situação de liberdade condicional e de reunir condições para lutar pela custódia do seu filho que decide responder a um anúncio pessoal para conhecer um eventual companheiro ou marido. É nestas circunstâncias que conhece Tony (Grégory Gadebois), um pescador de meia-idade que vive com a sua mãe doente.

Deste encontro, ambientado nas belíssimas paisagens da Normandia, a boa intenção de Alix traduz-se na produção um filme denso que requestiona a postura oportunista com que Angèle vê a utilidade de Tony na sua vida, e em que este possa acreditar que Angèle seja capaz de o amar verdadeiramente. Entretanto, ela aprende o ofício de peixeira, e ele, juntamente com o irmão, continuam a almejar encontrar o pai desaparecido há mais de seis meses no mar.

Se a pressão de uma jovem tornada quase selvagem pelo mundo, isto é, a textura emocional e social do filme fazem pouco pelo toque pessoal de ANGÈLE ET TONY, ainda menos o consegue as suas notas artísticas, com as personagens a flutuar no plano quando andam de barco ou Angèle nas suas intermináveis viagens de bicicleta ao som do piano de Mathieu Maestracci. Não que se trate de um filme enfadonho ou mal feito. Bem pelo contrário. O que chateia é que o filme de Alix é uma daqueles tipos de aluno muito bem comportados que têm a matéria toda na ponta da língua, mas que falham no capítulo da criatividade. Desta feita, ANGÈLE ET TONY transporta um savoir faire do drama naturalista francês e injecta-lhe doses bastante calculadas de um lirismo romântico que serve sobretudo o desenvolvimento das personagens.

E é por aqui que gostaríamos de lhe pegar. Se Angèle é um animal de sobrevivência cujo instinto acaba por transportá-la para atitudes conscienciosas – e a isto é vital a fisicalidade de Clotilde Hema – Tony, na entusiasmante prestação de Grégory Gadeboys, é um homem que se apaga, numa força interior cujo exterior apenas conhece aparente resignação. É da batalha destes seus interiores/exteriores, que Alix Delaporte pode ter à sua disposição «material» humano para construir uma relação que é tanto familiar, como amorosa. Paralelamente estes dois mundos são servidos por um desequilíbrio fundamental que opõe um tom mais ensaístico a uma narrativa bem mais convencional. Outra vez, dois corpos diferentes à procura de uma união. Pena é que esta nunca chegue a ser conseguida.

ANGÈLE ET TONY estreia hoje nas salas portuguesas.



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