sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Branquinho a preto e branco


Quem leu O BARÃO de Branquinho da Fonseca, mas ainda não viu o filme de Edgar Pêra poderá surpreender-se com a dimensão draculesca anunciada no trailer. A minha primeira reação foi de desconfiança perante o espartilho do género terror (especialmente na sua variante série B) onde antevi a metamorfose do barão em mero parente de vampiros. Estava, em grande parte, enganada.

O BARÃO, conto ou novela (pois pela sua dimensão oscila entre os dois subgéneros) é a aventura extraordinária, contada na primeira pessoa, de um inspetor de escolas primárias, que não gosta de viajar, mas tem de partir para os confins da província e é arrastado para a mansão de um feroz aristocrata. O barão é um tirano solitário, misógino mas sensível ao amor, que se faz impor pelas palavras “Aqui quem manda sou eu.”. Aterrador, brutal, mas poético, é este louco anfitrião quem vai conduzir a catabase (descida aos infernos) daquele simples funcionário público, obrigando-o ao terror, transe dionisíaco e libertação. Uma história fantástica, mas de pés assentes no Portugal rural com laivos medievais dos anos 40.

Regressando a 2011, a obra de Edgar Pêra afirma-se enquanto remake de uma trágica tentativa de adaptação d’ O BARÃO:

“During the Second World War, an American crew of B-movies took refuge in Lisbon. In 1943, producer Valerie Lewton married a Portuguese actor that translated to her Branquinho da Fonseca's short story “The Baron”. The Dictator heard about the movie and ordered the film to be destroyed. The crew was repatriated. The Portuguese actors were deported to Tarrafal's Concentration Camp. They died tortured in the “skillet”. A cubicle where humans were roasted. For the next five years the film was restored and reshot. In 2005 two reels and the screenplay were found in the archives of Barreiro’s Kino-club. In 2011, it was screened for the first time. For the next five years the film was restored and reshot. In 2011, it was screened for the first time.” (www.obarao-thebaron.com)

É o fantasma dessa memória que abre a sessão, preparando-nos para o horror. Trata-se pois de uma fatalidade histórica que assombra e dignifica o filme, um ponto de partida que conquista o espetador.

Quanto ao preconceito inicial (enquanto fã da novela de Branquinho), ainda persistente nos uivos musicais e trovoada inicial, desfez-se face a surpreendente reconstrução expressionista do filme. O preto e branco é trabalhado numa dimensão poética e caricatural. O mistério é acrescentado nos rostos sobrepostos, na aparição de seres fantásticos, na teatralidade forte e simples dos diálogos à mesa entre o barão e o protagonista. É evidente que O BARÃO de Branquinho é elevado ao vampiresco - há a invenção de uma professora draculesca que fecha os alunos na sala de aula à luz das velas - mas o vampiresco faz sentido neste universo de terror tão bem conseguido visualmente e não menos a nível da representação: o ator Nuno Melo é um barão exemplar, incorrigível na voz e energia poderosíssimas.

Houve uma cena que aguardei com particular curiosidade (pois o livro prometia) e me surpreendeu positivamente: o concerto da tuna, um gigantesco coro de miseráveis encarnado pelas Vozes da Rádio. (A música é indubitavelmente uma das mais mágicas surpresas do filme até ao final.) Ainda nesta cena, o Barão entrega-se a uma dança frenética (cujo ritmo é dado pelos inconfundíveis Tocá Rufar), seguido da sua criada Idalina (a bailarina e atriz Leonor Keil que aqui se destaca) e até o protagonista entra na folia dionisíaca ao ponto ser batizado com vinho.

É evidente que no terror d’ O BARÃO perpassa também muito humor, desde logo na provocação genial de se anunciar como filme a 2-D. Vale bem a pena ler o livro. Imperdível é também este Barão a preto e branco que resultou perfeitamente diferente e mágico.

O BARÃO de Edgar Pêra estreia a 20 de Outubro nas salas de cinema.

Joana Câmara

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