sexta-feira, 27 de abril de 2012

Into the Abyss


O estatuto de Werner Herzog parece ser daquelas coisas que mais do que inquestionável, é uma abstracção que permite fazer explodir quaisquer ideias que possamos trazer para a análise crítica do cinema. Expliquemo-nos. Ao ver a sua última obra, o documentário Into the Abyss sobre um jovem condenado à pena de morte no Texas, ressaltariam logo à partida dois estigmas. Um tema pisado e repisado na história do documentário recente (uma das referências mais óbvias é The Thin Blue Line de Errol Morris) visto a partir de uma simplicidade, ousaríamos, quase televisiva (o predomínio das entrevistas, a música emocional, etc.). Contudo, a voz do autor alemão, literalmente, na sua ausência de corpo, a marcar com o seu inglês de sotaque germânico duro, produz um discurso que traz à tona o que de mais precioso tem o género documental: a curiosidade antropológica, ontológica mesmo, pelo mundo e seus avanços e recuos inesperados. É sobre esse filtro franco, implacável por vezes, que todas as personagens que se expõem a Herzog, o fazem na mais compreensível das suas razões: todos têm motivos, todos são dignos de pena, revolta e admiração. Herzog, no seu primeiro encontro face to face com o assassino Michael, a escassos dias da sua execução diz-lhe que não tem necessariamente que gostar dele, que apenas considera que é ilegítimo que um ser humano condene outro a morrer. Admirável é que em Into the Abyss se reverta toda a fragilidade do tema da morte, do crime e da punição que poderia gerar pena ou compaixão face às suas personagens noutra coisa. A profunda emotividade do filme provém doutro lado. Arriscaríamos que ela nasce do choque dos diversos discursos de honestidade: sobretudo entre o lado de lá da câmara (por exemplos, os discursos de uma familiar da vítima que “gostou” de ver a execução do criminoso, seja da frieza infantil e inconsequente do próprio Michael Perry) e o lado de cá, a integridade sincera do realizador alemão. As conversas com criminosos, vítimas, familiares, executores mostram que os trágicos eventos parecem apanhar toda esta classe suburbana, pouco alfabetizada do Texas, por igual, numa torrente social que os ultrapassa muitas vezes. Como Herzog refere a certa altura: como se o destino lhes tivesse dado um baralho de cartas muito mau. Nesta torrente, o realizador alemão “salva” ainda os outros pequenos “milagres” no filme: uma árvore que cresce no interior do carro cujo roubo gerou três mortes, ou a sugerida inseminação artificial da namorada do outro criminoso Jason Burkett, através do contrabando do seu sémen para o exterior da prisão.

Sem ser uma obra central na carreira de Herzog o visionamento de Into the Abyss produz um “prazer” muito próprio, aquele inerente à natureza do contato entre a curiosidade pelos motivos e a reserva nas causas.

O filme será novamente exibido às 19:00 no dia 4 de Maio no Grande Auditório da Culturgest.

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