quinta-feira, 14 de junho de 2012

Teatralizar contra o capital


Vamos lá a ver uma coisa. Qual a resposta à pergunta: para onde foram os plugs na espinha de eXistnZ, agora que, treze anos passados, surge este Cosmopolis? Se pensa que a resposta é: foram recusados devido à experiência do real, pelo envelhecimento biológico do cineasta canadiano, então temos um problema. O problema é que, sob o estigma de se negar um universo temático, parece ter-se vindo, com quase uma década de atraso (o livro de DeLlilo é de 2003), vir bater no ceguinho, isto é, sistematizar por palavras (sim, palavras), a partir do bunker visual que é a limusine de Eric Packer, as maleitas do sistema, a escassez da contacto humano, as ficções e tragédias do crédito, o cuidado obsessivo do corpo, etc., etc. Ora, por muito que se veja algo mais nisto (e nós vemos), é inegável que haja um certo tom tautológico em todo este aparato de teatralização do cronenberguianismo que vai desde a escolha estratégica de Robert Pattison para protagonista a outros set pieces do filme. É que Cosmopolis é feito a partir de um inegável espaço de conforto que ajuda a descreditar um pouco a tensão da estratégia de teatralização nihilista, fim-do-mundo, que Cronenberg quis para o seu filme. A panorâmica sobre o estado do mundo, o pensar out of the box, a partir da box que é a referida viatura (mas também claro, o cinema tout court) gera uma certa compaixão, sobretudo pelo humanismo da odisseia por um barbeiro ou pelo desalento anacrónico (?) que Giamatti instala perto do fim do filme.

Mas se a resposta à questão do início é a de que os plugs que ligavam Jude Law foram introduzidos, sem dor (sim porque a dor aqui é um luxo psicológico “reservado” às classes baixas), no corpo de Packer, ou no da sua esposa que adia constantemente esse sinal de medievalismo (o sexo), então estamos perante um outro esquema. Neste, a fusão homem/máquina, mas sobretudo homem/obsessão, que ocupou quase toda a carreira de Cronenberg, atinge o seu zénite. O plug da espinha invisibiliza-se, as câmaras param de mover-se, os espaços são os de onde se vê o que não é para ser visto por nós e o único cinema passível de receber esta fusão, abisma-se, teatraliza-se, reinando com toda a soberba no vazio. Nunca então Cronenberg soube tão bem encontrar-se com o verdadeiro dilema desta civilização: a abstração das emoções (Sinto mesmo isto? Estou apaixonado ou angustiado?). Mas nesta segunda hipótese, os players já não vêem o fora como uma desalentada visão da humanidade. É que, precisamente, já não há fora. E é assim pois que andamos todos a manipular tudo, em seco. Porque razão não haveria Cronenberg então de ter o seu momento lúdico, ainda para mais em prol de um feeling real? Só assim parece possível assassinar deuses que aos 28 anos já conseguiram tudo. Só assim também, permitam-nos a boutade, se evita como diz a esposa, "to go broke and die". 

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