quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A lente

"O quê?" é a pergunta favorita dos historicistas. Sujeitos de natureza anal que procuram acalmar a inquietude motivada pelo caos, espremendo, compilando, organizando aquela ficção dita, o real. Procuram saber o que afinal se passou (mas ter-se-á passado alguma coisa?), esclarecer o mistério. Nessa tarefa infinita estão atrelados aos acontecimentos, como burocratas arrumadores do passado, deixando, não raras vezes, que a sua obsessão pela ordem contamine o próprio propósito da tarefa, isto é, a iluminação de uma clareira na floresta negra e escura dos factos. Nessa tarefa há a vantagem do apaziguamento, a ilusão de lidar com algo palpável, causal e de estar absorto, ocupado, com a organização de um puzzle de peças numeradas pelo utilizador, tentando, em vão, apagar a voz activa na composição e no jogar do jogo.

"Como?" é a pergunta favorita dos filósofos. Não percebendo mais da verdade do que de mulheres (como dizia Nietzsche) e descurando a quantidade das coisas que se passaram para tentar compreender como é que o sol incide todos os dias no dito puzzle de verde e sombras chamado floresta dos factos. Tarefa maior, aparentemente maior, de uma observação criativa, da constituição de uma cola semi-divina para as coisas que o olhar encontra. As desvantagens da visão do filósofo, pode dizer-se, colam-se à dificuldade em extrapolar com propriedade face à cola de cada um. E assim ser capaz de  agregar mais do que um ser humano e os seus estilhaçados pensamentos num sistema que não ponha o sedutor argumentário político no topo da mesa.

Em ambos os casos, quer no do historicista, quer no do filósofo, está em causa um ponto de vista fixo, uma lente não progressiva para observar o mundo. Nos primeiros, o close up para desencantar as texturas, as nervuras do acontecimento, o pormenor que bloqueia. Nos segundos, o plano geral, ou em muitos casos, um bird's eye para observar the big picture, o contorno de um movimento geral que tudo engloba e tudo "explica" (e implica).

Em ambos os casos está presente a evidência de que o olhar é tanto uma questão do que está em campo como fora dele, tanto uma questão da materialidade organizada como da imaterialidade desorganizada. Aos dois falta a habilidade do zoom, a progressividade dos olhares.

Sem comentários:

Enviar um comentário