quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Verdade e fetichismo

Stephen Hawking

Já tinha ficado mais ou menos claro no filme de Morten Tyldum sobre a vida de Alain Turing, The Imitation Game - nomeadamente no ênfase que dá ao desenquadramento da figura do matemático no seu agir e no seu pensar maquínico com tradução posterior em cenas de "celebração da sua diferença" e de piedade emocional para com o seu trágico destino da castração química - que existe um fascínio da História pelos pormenores mais ou menos sórdidos, e em muitos casos laterais, dos discursos que mudaram o mundo. 

Em The Theory of Everything, um filme sobre a vida do cosmólogo Stephen Hawking, esse fetichismo ritualizado atinge patamares ainda mais evidentes. A progressiva deterioração do corpo de Hawking (e crescente dependência das máquinas que suportam o seu brilhante cérebro) parece ser inversamente proporcional ao interesse que o espectador (e o mundo) dá à sua figura. Isso leva a pensar na " vontade de verdade"  do sujeito do discurso que, dizia Michel Foucault, podia mascarar a própria verdade. Essa máscara que, entre outras coisas, supõe um ritual (ritual esse que Foucault também distinguiu como um dos constrangimentos internos ao próprio discurso) de gestos e voz artificiais, de limpeza, de locomoção do próprio físico acaba por funcionar como elemento sedutor que permite inverter o raciocínio do francês. 

Se em muitos casos a "vontade de verdade" mascarava o dizer da verdade, no caso no Hawking é a verdade do seu corpo ausente e da sua parafernália de metal que o envolve, o "altar" a partir do qual se constrói toda uma "vontade de verdade". Pergunta inocente e ignorante: seria Stephen Hawking aquilo que é se não fosse aquilo que aparenta?

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