segunda-feira, 1 de junho de 2015

Porque dança ele?

Em casamentos e festas afins sempre gostei daquele momento, logo após as barrigas estarem devidamente atulhadas de provisória felicidade, no qual a música soa e a pista de dança se abre para um mau videoclip instantâneo. Agora, neste campo de batalha onde rufam os tambores da sociabilidade e do Anselmo Ralph, surgem todo o tipo de pezinhos, trejeitos e jingares. Há as crianças, das quais muitas ainda sem essa glândula chamada pudor, que saltam logo para o soalho arrancando palmas pela coreografia acertadíssima; há as senhoras de meia idade que, entre a folga do vestido e a maquilhagem vagamente exagerada, tentam sacudir o torpor do quotidiano; há os foliões e os bêbados, também ele pintalgados de vinho nas bochechas e nos beiços, que estraçalham de igual modo o bacalhau do Quim ou a valsa do Strauss; e há os mais jovens, vintes, trintas, muitos deles a olhar o palco com um misto de altivez e receio, como quem diz "eu sou melhor do que isto, mas se eu quisesse...". 

Sem pertencer a algum destes grupos o que mais me intriga é aquela pessoa que não estando necessariamente bêbada (ou estando-o) vai ao palco da sociabilidade e dança a um ritmo feroz. Pulos no mármore, coreografias impossíveis que desafiam a gravidade, desfazendo todos os compassos numa energia appassionata, como se diz. À primeira vista, passando a euforia do álcool, podemos pensar numa extrema alegria que contém em si uma extrema tristeza. O mais fascinante nem é isso, é mesmo uma questão de ritmo. Na pista de dança cada música confere aos seus executantes um intervalo de tolerância consoante a idade/estatuto/grupo social, o qual lhe permite acompanhar de forma mais ou menos próxima do timbre, a alegria, a tristeza, em geral, o sentimento, veiculado pelas notas. Agora, no caso destas senhores (são sobretudo homens) esse intervalo é estilhaçado e a aceleração extrema da alegria, num ritmo ele próprio alegre, pode redundar numa denúncia de tristeza. Quem disfarça demasiado bem, descobre-se, é esse o pobre princípio do vigoroso bailarino ou do lacrau na areia do deserto africano.

Mas tudo isto só podem ser teorias de trastes de pé de chumbo ou de exegetas apressados que não dançam. Aliás já muito se tem citado o Beckett naquela frasezinha: Dance first. Think later. It's the natural order. 

Mas perdoem que continue a intrigar-me: porque dança ele? Ou melhor, o que é que revelam os seus gestos para lá dos 13% de um Alvarinho? 

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