segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Shyamalan


O motivo pelo qual não sou especialmente crente no dispositivo do found footage resulta do facto de se presumir que o achado tem a mesma força do procurado. Quer dizer, pensar-se que a dotação do dispositivo nas mãos do anónimo, ao produzir uma proximidade entre quem captou as imagens e quem as vai ver, o espectador, pudesse descurar uma espécie de critério para o "achamento" dessas imagens. Quando Tyler diz à irmã Becca que esta tem a camisola do avesso, que não a vestiu bem porque não se olha ao espelho, sempre com os olhos baixos, com receio da imagem que o reflexo lhe possa devolver, o espectador percebe que M. Night Shyamalan está a ir ao cerne da questão do dispositivo que está a utilizar. De que serve a câmara para captar o real, se o seu utilizador é incapaz de olhar? Para que nos é útil o POV sem uma view? Numa das cenas finais, a rapariga é presa no quarto com a avó e esta aparece-lhe na câmara pela direita. Becca faz uma panorâmica para a esquerda em vez de, ou encarar a luta com a avó, ou fugir dali rapidamente. Ela acaba por filmar o espelho como solução da charada: para ver o que está à minha volta, para que a passagem da subjectiva à objectiva não seja em vão ou mera técnica sem fundo, é preciso que primeiro ela se consiga olhar a si própria.  

Se The Visit problematiza o olhar para determinar como este se pode mediar através de uma câmara, já o trauma do irmão Tyler - o ter ficado imóvel num jogo de futebol americano ante o olhar do pai, quando devia ter corrido para parar o adversário - continua a bordar o drama interior das personagens à dimensão metacinematográfica do filme. Agora é o movimento por oposição à imobilidade que está em causa. Nas cenas finais de confronto, a câmara (quase) fixa coloca em tensão o movimento das pessoas no plano. Shyamalan filma Tyler imóvel (estranhamente imóvel, de costas) enquanto o avô vai e vem no plano (porquê, não vem ao caso aqui). A explosão final de Tyler marca a dimensão do movimento e-mocional como catarse de uma agitação interna que se produz na sua mente e que o fará tornar-se jogador, finalmente, correr para o objectivo, "trancado" até então. Metáfora para a questão do movimento de câmara, que, enquanto dispositivo, deve vir antecedido (justificado) por um movimento interior. É o caso.

Finalmente, a distância aos eventos. Problema bicudo num tempo em que nearer is better. Na sequência em que Becca faz referência à ética cinematográfica (que ninguém respeita) está em causa o consentimento na captação das imagens mas também a medição do espaço certo entre quem filma e o que se filma. Shyamalan não faz outra coisa senão matraquear-nos com esse problema quando põe as crianças a colocar a câmara sempre atrás de sofás, mesas, candeeiros. Essa distância não é só uma questão de respiração (é preciso estar longe para preparar a acção, a proximidade) mas é também um indicador técnico (um ensinamento clássico) de que The Visit é um filme sobre dois pares de personagens que têm muitas coisas entre si, que não estão próximos, que tentam uma união momentânea. Essa distância é ainda a distância que serve uma estranheza. Shyamalan quer filmar duas crianças que não são crianças (não sabem brincar como crianças, são pequenos investigadores-cineastas-cómicos) e dois avós que não se comportam como avós.  

Por tudo isto, The Visit é menos um filme de terror, ou um filme com graça, e mais um exercício de paralelismo entre os traumas e-mocionais de uma família e os problemas que se colocam aos cineastas. Problemas não muito diferentes, com solução a vir, na maioria das vezes, do mesmo sítio.

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