sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Subir no chão e descer para subir


Downhill - Alfred Hitchcock

Tinha escrito que The Lodger opunha os triângulos, geométricos e amorosos, a uma certa noção de circularidade que acabava por ser quase fatal, expressa nas algemas que crucificavam Novello no desfecho do filme. Na obra seguinte, Downhill, à partida essa oposição é substituída por uma outra: a altitude como metáfora de um certo darwinismo social. Roddy Berwick (mais uma vez Novello) que se encontra no "topo" (um dos estudantes proeminentes e estrela de rubgby de uma escola prestigiada) tem de descer as escadas rolantes da sociedade (famoso plano metafórico do filme) e adquirir estofo emocional entre os pobres e desemparados (famoso e racista intertítulo do filme - Downhill - till what was left of him was thrown to the rats of a Marseilles dock-side - seguido de uma cena onde os negros também simbolizam o baixo) para poder subir novamente. 

Esta descida faz-se à custa de uma posição heroica de assunção de culpas por uma gravidez extemporânea da qual não é responsável. Mas como sempre em Hitchcock as aparências iludem mais do que desiludem. Isso torna-se claro pelo facto de um filme sobre a altitude social ser afinal "engavetado" uma vez mais numa ideia de circularidade. Roddy termina o filme a chegar a casa novamente, com o mesmo plano dele a aguardar a reacção do pai, numa cadeira em casa, de costas voltadas para os progenitores e de frente para nós. A cadeira como refúgio e expectativa da reacção dos pais, da sociedade à qual nunca deixou de facto de pertencer. E a circularidade completa-se com planos semelhantes do mesmo jogo de rugby e mais particularmente com Roddy no chão a segurar uma bola. Ao contrário da circularidade do seu filme seguinte Easy Virtue - na qual a protagonista parece estar presa numa eterna falsa culpa julgada em tribunal, no qual, faça o que fizer, será para sempre a mulher de virtude fácil -, em Downhill a circularidade é dialéctica. Ela corresponde, como o mostra o título da sequência de rugby inicial, os ups and downs do "mundo da juventude". Mais curioso ainda é que estes planos de Roddy lá em baixo, prostrado no chão com a bola de rugby nas mãos são os planos de um baixa altitude que dão a ver inversamente uma altitude elevada. No início do filme porque ele é acarinhado pelos espectadores como o herói do jogo e, no final, porque esta queda no chão é uma queda conquistada, um falso baixo, adquirido à custa de uma espiral descendente que significa crescimento e maturidade e a ideia de que a defesa de princípios de virtude difícil (não easy virtue) implica uma ilusória descida. 

Ilusão também histórica porque Downhill é a adaptação de uma peça escrita pelo próprio actor Ivor Novello (sob o pseudónimo David L'Estrange) que forja uma história de vitimização heróica descendente, quando na verdade o que queria era o que todos querem: colocar-se no alto.

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