domingo, 31 de janeiro de 2016

Se Cavalo Dinheiro encerra-se com Murnau e Lang, é porque se deu ao luxo de uma indeterminação genética (dos personagens, do espaço-tempo – os flashbacks da Revolução dos cravos não são introduzidos por fondus; estão aí, como os registros clínicos) típica de “quem chegou tarde demais”, e se sabe obrigado não apenas a mostrar as coisas – como aqueles que injustamente são chamados de primitivos do cinema -, como a mostrar o mostrar, maldição moderna de que jamais sanaremos os efeitos devastadores na ordem causal, nas articulações e estrutura das nossas narrativas. Costa nos mostra como demonstra, como nas sínteses tempestuosas que os grandes dialetas operaram (Goethe, Kleist, Proust), o verso como o reverso da História do cinema, reapropriada por alguém que “praticou” tanto a sua vertente encantatória (O Sangue; Ne Change Rien) como seu lado de “olhar ontológico” (No Quarto da Vanda; Onde Jaz o seu Sorriso): Cavalo Dinheiro é um comentário rebuscado sobre a posteridade de Méliès – de Cocteau e Welles a Carax -, mas o mestre de cerimônias desta mise en scène hipnótica são as fotos de Jacob Riis (Lumière). O filme de Costa, tanto pelas heranças que abriga como pelas apostasias que sugere (Lumière, Méliès, Lumière por Méliès), é monumental não apenas visualmente, mas dialeticamente: tem o poder aurático de olhar de volta para nós, e nos dar vertigens.

Luís Soares Júnior sobre Cavalo Dinheiro

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