sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

North by Northwest

North by Northwest era um daqueles Hitchcocks que sabia ter visto mas que, aparte a cena que toda a gente recorda, a do avião a perseguir Cary Grant numa planície agrícola de Chicago, pouco mais me tinha ficado. Agora ao rever o filme percebi porquê esse esquecimento. É um filme sobre o medo do tédio, a necessidade de Thornhill evitar com Eve um terceiro divórcio devido à vida aborrecida e monótona que causou os dois anteriores. Mas se é um filme de aventuras, com o MacGuffin a explicar que é a emoção enquanto movimento o que interessa (não estamos no domínio do conteúdo), é também um filme sobre falsas identidades, sobre o esforço por se mostrar ao mundo como se é, verdadeiramente. Desta luta entre a afirmação por um identidade e o mobile das aventuras, Hitchcock acabou por produzir uma espécie de síntese, de respiração. Os stacattos são antecedidos dessa respiração. Exemplos desta: a longuíssima cena de diálogo entre Grant e Eva Marie Saint logo após esta encenar a sua morte com balas de pólvora seca, ou mesmo, ficou conhecida, a tortuosa espera nessa cena do avião com o espectador a saber que naquele vazio todo, sonoro, espacial, temporal, vai "cair" uma bomba, só não sabendo quando. Depois, quanto mais bem preparados os "ataques" do suspense melhor se pode puxar as cordas do espectador. Veja-se uma das cenas finais quando Thornhill entra na casa de Vandamm e é o reflexo da televisão desligada que o denuncia, mas apenas à criada. Além dessa grande ideia da televisão, só estando apagada, poder ser útil (como um espelho inerte e inconsciente da realidade) há esta coisa espantosa. O grande orgasmo da cena é essa descoberta (the naughty boy was caught in the act), mas logo depois há uma elipse onde se explica que tudo não passou de um pequeno percalço rapidamente resolvido. Ou seja, a pistola que a criada segura para deter Grant é a mesma das balas falsas do golpe anterior. A montanha pariu um rato? Nem por isso. Essa cena mostra North by Northwest como este esquema de respiração, entre a preparação de um clímax, a cada duas ou três cenas, e a necessidade das cenas "mortas" E isso talvez explique como a memória do filme nos fique assim, aos repelões. Mas mostra mais. É que para Hitchcock a definição de orgasmo é diferente do que estaríamos à espera. O reflexo da TV (que para outros seria preliminar) aqui é o verdadeiro momento máximo. O que seria mais comum filmar como orgasmo da cena é a forma como Grant se desembaraçaria da criada. Mas isso já não vemos. São o correspondente aos beijinhos e ao cigarro depois do acto. Por isso é tão importante que aquele comboio que penetra o túnel no final do filme, como símbolo da consumação do amor entre Grant e Marie, já lance o orgasmo mais convencional para o fora de campo (e de tempo). Esse fora de campo é do que mais revelador temos para entender a relação de Hitchcock com o universo feminino.

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