quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Love & Friendship


Curioso pormenor em Love & Friendship, último filme de Whit Stillman, adaptado de uma obra "menor" de Jane Austen. No centro da encenação vitoriana está a estratega dos amores e da gestão do património (sentimental e o outro), a viúva Lady Susan. Sem homem e com uma filha cujo futuro há também que assegurar, todos os espécimes masculinos de que se faz rodear são "ses" possíveis para um desfecho vitorioso. Um deles é jovem e interessante mas o pai ainda está vivo e portanto sem acesso à fortuna. O segundo pretendente possui um calhau no lugar do cérebro, mas tem dinheiro. O terceiro é o único que não vemos excepto num quadro do início (que o apresenta como homem extremamente atraente) e na cena final, em que não profere palavra. Porque é invisível este homem, este trunfo na manga do jogo da sedução e predação da época vitoriana? Talvez por ser casado e não se poder revelar a sua face (embora a sua mulher, enganada e desesperada, seja bem visível, contra a voracidade de Lady Susan que lhe quer roubar o marido). Talvez esse motivo leve Stillman a esconder-nos o derradeiro homem. Ou, e esta é a minha versão, para uma mulher de negócios não convém misturar "business with pleasure". Sendo este o único homem que a satisfaz amorosamente, deve ser deixado no fora-de-campo, lugar de todas as alucinações e fraquezas da carne. E quando finalmente o vemos, o seu silêncio revela a postura possível do homem-objecto: sem falar, sem se mostrar obstáculo à condução dos affaires da vida pública.

Sem contar com esta truque do visível, Stillman limita-se a mostrar a mecânica da voracidade e da ironia no feminino. Finda a apresentação do aparelho, retomemos a nossa vida de fantoches.

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