quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

The power to bind and to loose


O que mais me impressiona em "Gilgamesh", o poema da Antiga Mesopotâmia, considerado um das primeiras obras de literatura a sobreviver na nossa história, é que a sua estrutura épica, ao contrário da "Odisseia", parece sobretudo servir um propósito interior. Gilgamesh é um tirano, na cidade de Urak, e é devido à sua condição que os Deuses resolvem resgatar da pura animalidade, Enkidu, que será como um irmão para ele, um sidekick das suas aventuras. No fundo, um desdobramento de si, um reflexo que fará com que o ensimesmamento da sua posição de ditador termine em detrimento da aprendizagem que faz da condição da alteridade. É o falecimento de Enkidu, a meio de "Gilgamesh", o que faz o rei passar a temer a morte e a partir para procurar o segredo da imortalidade. Esse segredo Gilgamesh não o obtém pois ele é uma condição única presenteada pelos deuses a Utnapishtim, o sobrevivente da grande enchente que dizimou a humanidade. Mas depois deste "falhanço", Gilgamesh também não consegue o próximo objectivo, a obtenção de uma planta no meio do leito marítimo que supostamente lhe traria a juventude novamente. Ele obtém a planta mas uma serpente rouba-a da sua posse. Episódio com semelhanças ao bíblico paraíso perdido e pecado original. Esses "falhanços" contudo não perturbam o verdadeiro destino de Gilgamesh:

 The  power to bind and to loose, to be the darkness and the light of mankind. He has given you unexampled supremacy over the people, victory in battle from which no fugitive returns, in forays and assaults from which there is no going back. But do not abuse this power, deal justly with your servants in the palace, deal justly before Shamash.'

Desta forma, creio que pode dizer-se que o caminho de Gilgamesh é sobretudo interior, uma epopeia interna. Aprender a condição finita, a morte, e a importância do outro na sua alteridade, como condições para exercer aquilo que, isso sim, está à sua disposição: the  power to bind and to loose.

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