sábado, 25 de fevereiro de 2017

Lion


Uma das piadas recorrentes de Ricardo Araújo Pereira é sobre a peça Romeu e Julieta de Shakespeare. Diz ele que a tragédia que ocorre pelo desencontro dos amantes jamais teria lugar se existissem telemóveis. A mesma coisa apetece dizer do destino do pequeno Saroo que vinte e tal anos depois de se perder em criança numa pequena província da Índia, acaba por achar a sua casa através do Google Earth, já vivendo na Austrália junto com a sua família adoptiva. Se a primeira parte de Lion (Lion – A Longa Estrada Para Casa, 2016), quase sem diálogos, é sobre perder-se, a segunda, no mundo da tecnologia e da industrialização, é sobre encontrar-se. Este plano corresponde precisamente a este segundo segmento, bem menos interessante, onde o publicitário Garth Davis monta de forma enjoativa e recorrente planos do presente de Saroo (já encarnado pelo desinspirado Dev Patel) a flashes do passado na Índia onde andou perdido e afastado da família. Talvez os planos que o realizador use directamente do google maps (inaugurando um período onde parece ser impossível perder-se no espaço) sejam os menos eloquentes e ao mesmo tempo os mais certeiros. A simulação digital do espaço faz a personagem reviver o espaço real ao ponto de o percorrer com o indicador (e depois com os pés e a mente). Dito isto merecia a pena ainda dizer que a adaptação deste caso verídico, vertido em tearjerker panfletário sobre o número elevadíssimo de crianças que se perdem anualmente na Índia, está tudo menos perdido. Assim como Patel sente o aroma proustiano do passado nos jalebis que come agora (e que queria poder ter comido com o desaparecido irmão, em criança) também nós encontramos em Patel, ou nos planos de miséria de uma Calcutá perigosa, as coordenadas, o “célebre aroma” de Slumdog Millionaire (Quem Quer Ser Bilionário?, 2008).

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