quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O modo alemão de acumular riquezas

«Pois bem, é exactamente como nos livrinhos ilustrados de moral alemã: em cada casa há um Vater (pai), terrivelmente virtuoso e extraordinariamente honrado. Tão honrado que temos medo de nos chegarmos a ele. Não posso suportar as pessoas honradas que inspiram medo. Cada um destes Vater tem a sua família e à noite, reunidos todos eles, leem em voz alta livros instrutivos. Sobre o telhado da casa rumorejam os ulmos e os castanheiros. O Sol que se põe, a cegonha no telhado, tudo isto é extraordinariamente poético e comovedor.

(...)

Bom, aqui todas as famílias se encontram sob o jugo e a submissão mais completa do Vater. Trabalham como bois e acumulam dinheiro como judeus. Suponhamos que o Vater reuniu já uns tantos florins e espera legar ao primogénito o seu táler ou a sua parcela de terreno. Para isso, não dá qualquer dote à filha e esta fica para tia. Para isso vende o filho mais pequeno como criado ou como soldado, e este dinheiro é incorporado no capital familiar. Faz-se assim, acreditem-me. Procurei informar-me. E fazem tudo isto movidos pela honradez, por um exaltado espírito de honradez, até ao ponto de o filho mais pequeno, que foi vendido, estar convencido que o venderam movidos pela honradez. E isto é o ideal: a própria vítima alegra-se por ter sido oferecida em holocausto. O que acontece depois? As coisas também não correm de feição para o primogénito: há ali uma certa Amalchen à qual o seu coração de sente unido. Mas não pode casar-se porque não arrolou os florins necessários para fazê-lo. Ficam também à espera, digna e sinceramente, aceitando o holocausto com um sorriso nos lábios. Amalchen continua extenuada e fraca. Finalmente, ao cabo de vinte anos, os bens foram multiplicados: dispõem de florins honrada e virtuosamente poupados. O Vater dá a benção ao primogénito, de quarenta anos, e à Amalchen, de trinta e cinco, peitos flácidos e nariz avermelhado. Chora, dá-lhes conselhos e morre. O primogénito transforma-se, por sua vez, num virtuoso Vater, e a sua história volta a repetir-se. Aos cinquenta ou sessenta anos, o neto do primeiro Vater dispõe, na verdade, de um capital considerável, que lega ao seu filho, e este ao seu, e assim ao cabo de cinco ou seis gerações, deparamos com um barão Rothschild ou um qualquer Goppe & Ca. Não é um espectáculo grandioso? Um trabalho permanente de cem ou duzentos anos, paciência, inteligência, honradez, carácter, decisão, cálculo, a cegonha no telhado! Que mais querem? Porque nada há superior a isto, e a partir deste ponto de vista começam a julgar o mundo e a castigar os culpados, quer dizer, aqueles que se diferenciam deles um milímetro que seja. Eis a questão: prefiro a agitação do estilo russo ou enriquecer à roleta.»

in «O Jogador» de Fiódor Dostoiévski 

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