domingo, 24 de dezembro de 2017

O brilho que deixarás

"Faz o que possas e o que não possas, esforça-te até ao extremo, luta, batalha, conquista. Morde os dentes à realidade dura e não a largues até a domares. Faz isso tudo como se a  grande tarefa dependesse do teu ânimo e do investimento do teu suor. Não deixes, porém, de saber que nada te pertence. Tu não és o dono: és o pastor. Desconcerta-te com o esplendor inexplicável de cada amanhecer. Conserva-te sem palavras perante o mar, como aqueles que pela primeira vez o olharam; sente-te irresistivelmente atraído pela variação de cores, de volumes, e de odor da paisagem diurna e nocturna; estremece sempre ao primeiro contacto com a água; mantém intacta a capacidade de espanto perante o modo como o vento arrasta as nossas vozes felizes na distância; olha do mesmo modo desprevenido a chuva, os campos alagados em silêncio, as coisas mínimas e amplas, o tráfico das nuvens, a disseminação das papoilas que nos campos se parecem com palavras que sonham. Saboreia o embaraço por aquilo que permanece em aberto não por insuficiência, mas por excesso, e não te apresses a catalogar, a descrever ou a aprisionar.

Que a tua forma de compreensão seja um outro modo de ampliar o espanto. Seja esse o teu legado àqueles que amaste."

José Tolentino Mendonça

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