segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Sortudo


Creio que se aplicarmos o realismo, essa palavra cruzada de oito letras, a Lucky (2017), ele talvez não passe de um filme banal que elogia, ele próprio, uma certa banalidade. Escrito e realizado por actores sem experiência, tudo se organiza em torno de um diamante que resplandece uma última vez antes de ser levado pelo tempo. Esse diamante é Harry Dean Stanton, e, não há como negá-lo, um dos maiores actores da segunda metade de todo o cinema. O palco para essa última chama, daquele olhar que tudo penetrava, ora impiedoso, ora frágil e com medo, é o deserto, meia dúzia de cactos, umas botas, o mundo a céu aberto e o quotidiano num pequeno vilarejo.

John Carroll Lynch torna demasiado evidente essa moldura em torno dos últimos sorrisos, dos últimos caminhares, uma homenagem que o cinema procura, meio desnorteado, fazer ao próprio cinema. E se a encenação é clara através dos seus olhares para a câmara, das cantigas, dos momentos de recordação de um passado cheio, as cenas vão sucedendo-se como um quebra-cabeças de nível médio. A apologia da simplicidade, o minimalismo metafísico de uma bebida e um cigarro, a capacidade de olhar e aceitar a realidade tal como é. Mas... e aqui reside tudo, um grande filme não é (apenas) affair de cabeça. Como alguém respondia à pergunta "o que é um grande filme", no documentário sobre crítica de cinema realizado por Maria de Medeiros,  Je t'aime... moi non plus: Artistes et critiques (2004): "Isso é a mesma coisa que perguntar o que é o amor. Não sei defini-lo mas quando, de repente, aparece eu sei o que é, sinto-o".

A mesma coisa com Lucky, eu sei que esse amor que só se sente pelos grandes filmes lá está. Sinto-o.

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