domingo, 30 de abril de 2017

Árvore da Cinefilia #4- Álvaro Martins

Desde que me lembro do que quer que seja da minha vida que me recordo de ver filmes, devia ter uns 6 ou 7 anos e já era completamente siderado, por exemplo, pela saga «Star Wars». Mas o plano que me traz aqui a esta rúbrica do Carlos, a quem desde já deixo o meu agradecimento pelo convite feito, não diz respeito aos «Star Wars» e sim ao filme que me fez ter um fascínio e uma paixão pelos westerns. Falo de «Rio Bravo» de Howard Hawks. Que me lembre, se não foi o primeiro western (talvez o primeiro que vi tenha sido um spaghetti, «Il buono, il brutto, il cativo» do Leone, ainda em tenra idade, como de resto aconteceu com o filme do Hawks), foi um dos “meus” primeiros westerns e aquele filme que me fez olhar o cinema doutra forma que até então não havia olhado. E isto porque «Rio Bravo» é um western que corre os caminhos tortuosos da mente humana (em Dude) e se afasta da pura e eterna luta entre cowboys e índios… aliás, aqui não há índios… mergulha na resistência e na firmeza daqueles que tudo fazem e tudo lutam pela justiça, pela lei e pela ordem no velho Oeste. E engane-se aquele que diz que em «Rio Bravo» não se passa nada. É verdade que maior parte do tempo se está na espera, na espera pelo Marshall que virá buscar Burdette, mas é nessa espera e nesse “nada” que tudo acontece e tudo se passa, é nessa espera que Dude se redime e se “recompõe” do alcoolismo, é nessa espera que Wheller é morto e Colorado decide ficar e ajudar os nossos heróis, é nesse “nada” que Hawks desenvolve e nos mostra os comportamentos humanos, é nessa espera que Feathers “desarma” e conquista Chance, é nessa espera que tudo acontece e esse “nada” se transforma em “tudo”…




O plano escolhido precede a morte de Wheller e a perseguição de Chance (Wayne) e Dude (Martin) ao seu assassino que após escapar dum celeiro e ser alvejado por Dude se esconde no saloon. Este entra pela porta principal enquanto Chance entra pelas traseiras, num saloon repleto de pistoleiros de Nath Burdette, o irmão do preso, o todo-poderoso lá do sítio e que tudo quer e vai fazer para libertar o irmão. Os dois lá dentro e Dude ordena que atirem os coldres para o chão e se afastem das armas, inspecciona as botas de todos em busca de lama nelas para poder identificar o criminoso… nada feito e um deles tenta humilhar o borrachón (como todos lhe chamavam, a Dude) atirando-lhe com uma moeda para a cuspideira (“revisitando” a cena inicial do filme e que origina toda a história e toda a vontade e determinação da reabilitação de Dude). Parecendo desistir pede uma cerveja ao barman que segundos antes lha tinha oferecido e é quando Dude repara nas gotas de sangue a cair na caneca…aí a mestria de Hawks eleva-se (como o assassino de Wheller) pois num plano picado nos mostra o assassino por cima de Dude, no alto, simbologia das simbologias – este está bem “alto” enquanto ele, Dude, está lá em baixo, bem pequeno e humilhado… o borrachón… Nessa cena temos pela segunda vez o confronto psicológico de Dude com o alcoolismo a misturar-se com o orgulho e o confronto com os tais pistoleiros de Burdette; estaé não só uma das cenas mais cruciais do filme como é o “despertar” de Dude para a reabilitação deste sob a figura do herói renascido, é a queda de quem estava em cima (literalmente e figuradamente) e a ascensão de quem estava em baixo. Sei lá, qualquer coisa como isto… é provavelmente o western da minha vida e o filme ao qual mais vezes “retorno”.

Álvaro Martins*


*Álvaro Martins, o meu convidado cinéfilo de hoje, é autor do blogue PRETO e BRANCO e um dos responsáveis pelo período de ouro da blogosfera de cinema em Portugal. 

Para saber mais sobre a rubrica Árvore da Cinefilia.
Edições anteriores: #1 Francisco Rocha.
                                    #2 Pedro Correia.
                                    #3 Carlos Alberto Carrilho


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